Nossa quarentena começou no dia 17 de março de 2020. Estamos há mais de 75 dias em distanciamento social, com algumas intercorrências no caminho. Um resgate, dois passeios de ambulância, uma cirurgia e a missão impossível de fazer tudo isso com uma senhora de 85 anos, que fraturou o fêmur, em menos de 60 horas e em plena pandemia do novo coronavírus.
Passado o mini pesadelo, todos recolhidos novamente. Estamos isolados – eu, Marco (meu companheiro), Isadora (minha filha de 9 anos), Cecília (minha caçula de 5 anos) e Filó (nossa vira-lata de 1 ano) – no apartamento em que moramos no centro de São Paulo/ SP/ Brasil/ América do Sul/ Planeta Terra/ Via láctea/ Sistema Solar – para fins de registro histórico-temporal-geográfico ou perda de memória recente, confusão mental ou embriaguez.
Nosso apartamento é um dois quartos, todo arrumadinho – casa de taurina, manja? –, em um condomínio muito bom, honesto. Área de lazer, academia e piscina. E, claro, nada disso importa ou mesmo pode ser utilizado nesse momento. A verdade é que nosso apezinho, descolado, em Santa Cecília, nunca pareceu tão apertado.
Como todo mundo, tenho lido, assistido lives, entre culinária e filosofia, entrevistas com meus escritores favoritos, cursos online, gratuitos, de artesanato, pintura ou comunicação não violenta. Um mundo quase perfeito – em temática – para satisfazer meu ascendente em gêmeos.
Entre essas leituras, recebi uma dica preciosa: a ideia de que uma forma de aplacar nossas angústias e a ansiedade do momento é cada um ter um projeto pessoal de longo prazo a fazer, como um bordado ou a leitura de um livro grande. Além disso, um projeto comum, familiar, como a montagem de um quebra cabeça de mil peças.
Fui à Amazon para comprar o dito cujo. Não me agradaram as imagens – meu eterno problema com os quebra-cabeças, mas ok. Encontrei um da Monalisa. Ah, dava até para rolar um gancho e falar do ‘Da Vinci’ para as crianças. Legal. Opa! Questão de ordem! Onde montar esse troço? Na mesa da sala, não dá. Lá fazemos todas as refeições. No chão, num canto, não, não. Filó jamais permitiria. Seria montar durante o dia e procurar peças no coco dela durante a noite. Quebra cabeça nem pensar.
Então, o que uma jornalista, um diretor de arte e duas crianças curiosas poderiam fazer trancados dentro de casa por tempo indeterminado, além de sobreviver? Um jornal, claro! Um jeito de mantermos a mente criativa, envolver as crianças em uma atividade de pesquisa, sensibilidade e escrita, que pode ser também um belo registro desses tempos imemoriais.
Assim nasceu o nosso “Notícias Impossíveis” – um diário da quarentena. E por que esse nome, você pode se perguntar? Resumidamente, nós quatro formamos há algum tempo um ‘quarteto fantástico’ – a la “Os Incríveis” –, autodenominado de “Os impossíveis”. Já vivemos algumas boas aventuras, viagens, desenhos, palhaçadas, espadas-guarda-chuvas, armários emperrados, cineminha com pipoca, entre diversos tipos de cafuné.
Acredito fortemente que, de alguma maneira transcendental, escolhemos, sabe-se lá como, onde e porque, atravessar essa jornada de transição planetária juntos. E cá estamos: vivendo, contando e tentando entender esse momento “impossível”.
Daniele Impossível Moraes Mãe, editora do NI, escritora, artista em recuperação e quarentenada